Há projectos que ainda não conseguem distribuir os seus discos em Portugal.
Os SA TURNIA são exemplo disso: vão já no segundo álbum editado e distribuído apenas além fronteiras.

Oesenganem-se aqueles que ao lerem o nome da banda formularam logo um juízo estereotipado. Os Saturnia não são uma banda de metal nem de música gótica. É o rock progressivo que os move, com uma boa dose de psicadelismo à mistura. São «uma espécie de "headband" contemporânea», nas palavras do mentor do projecto, Luís Simões. O percurso dos Saturnia foge a todas as convenções. Não são uma banda no sentido tradicional do termo, a formação já mudou por diversas vezes, são raros os concertos que dão e -pasme-se -não têm nenhum dos três trabalhos de estúdio distribuídos no seu próprio país.
A ideia de um projecto com estes contornos remonta ao início da década de 90, mas quando Luís Simões começa a gravar, em 1996, não é com a intenção de dar vida a uma banda. «Apercebi-me que algumas músicas tinham de facto uma direcção, tomada de forma praticamente inconsciente». Essas gravações delinearam a primeira demo, que após uma tentativa frustrada de edição fica fechada a sete chaves.
No início dos Saturnia, a intenção não era a de fazer algo exclusivamente musical mas sim um trabalho multidisciplinar, aliando a mÚsica à imagem, através do vídeo, e à poesia. E foi com a demo que se materializou esta intenção partilhada com Filipe Homem, o então responsável pelo sintetizador e pela área do vídeo.
Este início rico em ideias acaba por levar a diversas reconfigurações. Com os seis temas que compõem a primeira gravação dita ofi-
cial, datada de 1999, a Intenção de fazer um projecto de mix-média cai por terra: «A ideia de fazer uma coisa que não fosse só música revelou-se complicada, inviável, e cheguei à conclusão de que quanto menos gente menos confusão», constata Simões.
O primeiro álbum, homónimo, é inteiramente gravado, editado e distribuído por Luís Simões e o novo elemento Eduardo Vasconcelos
(aka M Strange), e trata-se «apenas de um CO-R que nós vendemos».
O nome Satumia abrange uma pan6ptia de termos e conceitos: conjuga o espaço e a ficção científica, para onde o planeta Saturno nos remete, com o naturalismo simbolizado pela borboleta Satumia, e o hedonismo, a filosofia do prazer livre, patente no termo Saturnalia, «que traduzido de grosso modo quer dizer orgia ou bacanal».
Após a edição do primeiro registo, que «mexeu um bocado no circuito underground e teve algumas críticas boas», os Saturnia voltam a sofrer nova reestruturação. As diferenças de opinião respeitantes aos espectáculos ao vivo fazem com que Vasconcelos abandone o projecto:«Ele tinha uma concepção dos Saturnia como um projecto de estú-
dio, o que eu não acho que seja absurdo, mas considerei que se deveriam fazer alguns espectáculos, por mais underground que fossem». A seguir, em 2000, Vasco Pereira junta-se a Luís Simões, mas por pouco tempo. Finalmente, com a entrada de Francisco Rebelo (Cool Hipnoise, Spaceboys) para teclista dos Saturnia e a gravação do segundo registo, The Glitter Odd, que tem edição através da neozelandesa Cranium Music, o projecto evolui em diversos sentidos: «Entrámos na onda de abordar o álbum como uma peça inteira, apesar de também termos músicas no sentido. tradicional do termo».
A sonoridade da banda conjuga dois mundos diferentes: os ritmos modernos proporcionados pela produção digital e o psicadelismo tradicional, com a inclusão de instrumentos como a sitar e o gongo. Há outras influências como a música indiana e a música clássica contemporânea que, adicionadas aos dois pólos principais, faz com que cheguem «a um ponto em que talvez hoje não se possa dizer que os Saturnia são uma banda com psicadelismo em cima de beats actuais»,defende Luís Simões.
As colaborações com bandas como os The Gift, Blasted Mechanism e Cool Hipnoise trazem influências naturais. Mas talvez seja relativamente aos Cool Hipnoise que essa influência se explique mais facilmente. Embora não esteja presente de forma explícita, ela revela-se pela inclusão de novos «sons e instrumentos que não faziam parte do universo dos Satumia».
«A nossa relação com a Cranium correu bem, o disco vendeu bem para o meio que é, e teve críticas muito boas». Mas a mudança de editora acaba por acontecer. O terceiro álbum, Hydrophonic Gardening, está pronto em Novembro de 2002. Depois de apresentarem o projecto a várias marcas optam pela italiana MelIow Records. «É uma editora que vende muito bem em sítios como o Japão e a Alemanha, o que foi positivo para o estatuto da banda».
O facto de nenhum dos discos editados ter distribuição em Portugal é algo que, segundo Luís Simões, acontece «porque a indústria portuguesa é como é, porque ninguém esteve interessado.Não me diverte, obviamente, eu quero vender discos, mas não me
aborrece». Isto porque uma banda como os Satumia tem mais possibilidade de ser bem sucedida no exterior do que em Portugal:
«Quando falas em bandas underground em termos nacionais falas em 500 ou mil discos vendidos, por mais que as pessoas mintam
aos jornalistas. Em Portugal é difícil vender discos».
A ligação dos Satumia com um certo misticismo está presente em todos os momentos da carreira da banda, mas é com o último álbum que isso se transfere, de forma óbvia, do som para o imaginário visual, sobretudo para o grafismo do disco.
Não é, contudo, dessa espiritual idade que nasce o nome do disco: ele chama-se Hydrophonic Gardening porque «o modo como foi feito é um pouco como quem cuida do jardim e das flores em casa, num ambiente muito hermético e de forma manual, tradicional».
Luís Simões não se assusta quando lhe atribuem influências dos Pink Floyd: eles são uma das grandes referências musicais dos Satumia, ao lado de bandas como os Nektar e os Tangerine Dream. Mas as influências não se esgotam aqui, indo também ao encontro da electrónica dos Portishead e dos Moloko e aos compositores contemporâneos John Cage e Karlheinz Stockhausen. «A minha prioridade sempre foi a música em si, compor, fazer música para ser ouvida mais do que tocar para eu próprio me ouvir». 111
[Hydrophonic Gardening foi editado no final de 2003)

Blitz  03/02/2004 Mario Vieira